21 julho 2012

"Luta" contra as lojas de conveniência junta as "três noites" da capital


O Bairro Alto é para turistas, Santos-o-Velho para "miúdos" e o Cais do Sodré para todos. A noite de Lisboa mudou nos últimos anos e, como em todas as mudanças, as novas modas nunca agradam a todos.

A possibilidade de beber na rua é comum a todas as zonas noturnas de sucesso. E se for a preço baixos, através de lojas de conveniência, tanto melhor, principalmente para os mais novos. E isso traz também críticas dos moradores, como agora se passa no Cais do Sodré. De zona decadente e alternativa, o Cais do Sodré passou a estar na moda nos últimos anos, com clientes mais jovens, arrastados pelas lojas de conveniência a preços baixos. E as críticas de quem aí vive também aumentaram.
"Estamos a tentar que tenham os mesmos horários que no Bairro Alto. Tudo farei para que [as lojas de conveniência], no máximo, encerrem à meia-noite", prometeu à Lusa o presidente da Junta de São Paulo, Fernando Pereira Duarte.
André, de 30 anos, frequentador assíduo da noite do Cais do Sodré confessa que as lojas de conveniência "dão jeito para comprar tabaco", mas levaram para o Cais "grupos de adolescentes a embebedarem-se com facilidade", o que "não agrada" a alguém que procurava aquele local "porque era um sítio descansado". Para André, a mudança na frequência da noite do Cais do Sodré foi "para pior". "Perdeu identidade. Era uma rua de boémios e virou um sítio chique e com `glamour`, não sei bem como", disse, referindo que as alternativas óbvias também não lhe agradam: "o Bairro Alto agora é turístico e Santos muito jovem, para miúdos de 16 anos".
A mudança, que desagradou a André, agradou a António Costa, dono das discotecas Ménage (aberta desde 1999) e Viking, ambas situadas na Rua Nova do Carvalho. A noite do Cais do Sodré "mudou bastante nos últimos tempos. Teve uma melhoria significativa. Agora muita gente vem à rua sem grande receio, mas muita gente na rua não significa que haja gente dentro dos espaços", disse o empresário, que reconhece uma "mudança radical na clientela".
O Ménage, discoteca com espetáculos de striptease, "vivia com clientes de idade avançada, acima dos 40 anos". Este tipo de clientes "tem tendência a desaparecer, por a rua ter sido invadida por uma onda mais jovem".
Para o presidente da junta de São Paulo, "não há transformações sem queixas" e o fecho ao trânsito da Rua Nova do Carvalho "facilita a que a zona esteja na moda". A maioria das queixas dos moradores, refere o autarca, "prende-se com os acessos". "Os moradores das ruas envolventes queixam-se não tanto do barulho dos bares, mas de quem passa do Bairro Alto para o Cais do Sodré. Pelo caminho pintam paredes, fazem barulho e fazem necessidades onde não devem", disse.
No entanto, o autarca sublinha que "Lisboa precisa de noite", é apenas preciso "equilibrar as coisas".
Pelos moradores, Luís Paisana concorda mas alerta para os riscos de quem vive na zona: "Queremos comércio e animação, mas com regras. A lei do ruído não é cumprida e é preciso obrigar os estabelecimentos a cumprir a legislação. Será benéfico para todos".
Subindo a encosta, basta um passeio pelas ruas do Bairro Alto (BA) à noite, para se perceber que aquele bairro histórico deve constar na maioria dos roteiros turísticos de Lisboa como local de diversão noturna: "Se não fossem os turistas andávamos todos aos gritos", diz o presidente da Associação de Comerciantes. No entanto, Belino Costa, admite que "a noite não é a mesma por causa da crise" e nas contas do final do dia "Sente-se muito, porque as pessoas não gastam o mesmo dinheiro".
Também Pedro Teixeira, de 28 anos, frequentador assíduo do BA há cerca de dez anos, nota que "há mais turistas à noite". E é com os turistas que os comerciantes vão tentando contornar a "crise, que afetou os bolsos da clientela", mas também os prejuízos gerados pela "concorrência desleal", das lojas de conveniência que "vendem mais barato".
Em novembro do ano passado, as lojas de conveniência passaram a encerrar às 20:00, uma medida da Câmara Municipal de Lisboa que reduziu em seis horas o horário de funcionamento destes espaços.
"O fecho dessas lojas e o fim das vendas das garrafas de vidro para a rua teve um efeito muito positivo", disse Belino Costa, acrescentando que, apesar de ainda haver "uma ou outra loja, já não há 14 ou 15", o que significa que "já não há tanto vidro na rua".
Na Rua do Diário de Notícias, perto do Largo Camões, ainda há uma dessas lojas, atrás de um pequeno balcão, Francisco Rodrigues, um dos sócios do estabelecimento, vende cervejas e outras bebidas alcoólicas, refrigerantes, chocolates e tabaco. O lojista garante ter "muita clientela" e que o que mais vende é tabaco. No entanto, durante a conversa breve com o lojista, era visível que, quem entrava, comprava principalmente cerveja.
Já Filipa, de 21 anos, e Carolina, de 22, que saíam de um restaurante na Rua da Atalaia, preferem outros sítios, "como Santos e discotecas". Para Filipa, o Bairro "tem muita gente, muita confusão, anda-se mais, sobe-se muito, não dá para usar saltos altos e é chato para estacionar". Carolina concorda que o estacionamento "é chato" e, além disso, ali "a noite acaba muito cedo".
Santos-o-Velho transformou-se no grande local para os mais novos, muitos deles menores de idade, que começam a frequentar a noite através daquela zona histórica de Lisboa. Exemplo disso são Marta, Matilde e Joana. As três amigas, com 17 anos, começaram a sair com 15 "sempre para Santos", por ser "um ponto de encontro de amigos".
"As pessoas da nossa idade estão aqui", dizem as amigas, sentadas numas escadinhas na Calçada Ribeiro Santos, acrescentando que geralmente compram bebidas em lojas de conveniência e ficam na rua. Do lado da freguesia, o presidente da Junta assegura que, desde que encerraram uma série de bares, "a zona tornou-se mais calma", embora ainda "haja uma ou outra queixa da população". Para Luís Monteiro, "a preocupação agora passou para [o final d]a Avenida D.Carlos I", zona frequentada por "jovens de tenra idade".
"As lojas de conveniência chegaram à Rua de São Paulo" e a zona de Santos "é influenciada por essas lojas. A Câmara lançou a portaria que limita horários, mas só abrangeu o Bairro Alto", lamentou.
Lusa 08 Jul, 2012