21 junho 2010

CASANOSTRA

Enquanto houver o Casanostra, Lourenço Viegas vê poucas razões para ir jantar a outro lado. É o que distingue um restaurante muito bom do meramente bom.

Ao contrário do que poderia parecer a um incauto que abrisse os jornais, ligasse a televisão ou ouvisse as conversas ao pequeno-almoço na Praça das Flores, os portugueses não descobriram Darwin apenas no primeiro semestre de 2009. Não. Sei de fonte segura que muitos desses intelectuais já tinham ouvido falar de Darwin antes de terem ido duas vezes em Abril à exposição da Gulbenkian. Era o ano de 1999, dava-se a independência de Timor e nas notícias ouvia-se muito falar em Darwin, pois era a cidade australiana com o aeroporto onde se mudava de avião para chegar a Díli.

Voltando ao Darwin, o que importa é que tenho a certeza de que uma das características de desenvolvimento evolutivo das espécies – além da oponibilidade do polegar e da estupefacção pelo sucesso de Mário Cláudio – é a capacidade de distinguir entre um restaurante bom e um restaurante muito bom.

Um restaurante muito bom, como o Casanostra, aponta para um reino da subjectivia, império do critério infalível do onde é que te apetece ir jantar, como pergunta disparada, de surpresa num ambiente neutro desinfectado de desejos e constrangimentos. E onde apetece jantar dentro dos restaurantes bons são os restaurantes muito bons.

O Casanostra nunca falhou nesse teste (e já lá vão mais anos a aplicá-lo do que gostaria), como nunca falhou a surpresa, o choque sempre repetido, o flash dado por aquelas cadeiras pintadas de verde (verde casanostra), por aquelas ventoinhas, as cadeiras na parede, o chão de marmorite.
O Madame Tussauds de um certo Nova Iorque. A ementa, as letras. As azeitonas, a pasta de queijo e de azeitona, nuns godés de vidro. O aparador, as luzes e a cablagem no tecto. A sala com o tamanho ideal. As casas de banho mansardas.

E vario o que lá como, como a conversa à mesa daqueles quase-amigos, sempre igual sempre diferente. A Torta (rotolo) de massa fresca com requeijão (ricotta) e espinafres envolta em papel de alumínio, um morgado gigante, um sabor e uma textura que se vão desenvolvendo, o ácido do pouco molho de tomate a cortar os sabores graves da massa e do requeijão, o sabor metalizado do espinafre. A língua bem temperada. O esparguete fresco alla cruadiola, tomate fresco, alcaparras, ervas e mozzarella, tudo à mistura. O sogno romano, de claras e doce de ovos, em forma de bolo de arroz, doce e salgado, leve e consistente.
E a água mineral italiana, sugerida por uma temperatura feita a janelas e ventoinhas, no limite do calor, a dar sede daquelas águas minerais italianas com e sem gás, e das portuguesas que se vão descobrindo entre as estrangeiras, por serem as que, acusando o calor, melhor se adaptam a ele.

É assim como a obra da Agustina, para quê começar outro livro, para quê ir jantar a outro lado se temos aquilo.

Travessa do Poço da Cidade, 60 (Bairro Alto). 21 342 5931.